O Icatu no hospital

Andre Valentim
Cardoso e Chiesa, da Casa de Portugal:faturamento triplicado

Por Consuelo Dieguez

Pode-se dizer que há um ano a Casa de Portugal, um tradicional hospital no bairro do Rio Comprido, zona norte carioca, estava entre a vida e a morte. Atolado em dívidas, sem crédito com os fornecedores e sem clientes, o hospital definhava. A ocupação média mensal de seus 130 leitos era de apenas 35%, e a do Centro de Tratamento Intensivo (CTI), de 30%. A unidade semi-intensiva estava desativada e, das seis salas do centro cirúrgico, só duas funcionavam. Com esse quadro dramático, as chances de sobrevivência da Casa de Portugal eram mínimas. Foi então que seus diretores partiram para uma solução radical. Profissionalizaram a gestão contratando os serviços de um especialista: um banco.

À primeira vista, colocar banqueiros para gerir um hospital pode parecer tão inusitado quanto escalar um médico para operar uma mesa de câmbio. Administrar hospitais, porém, foi exatamente um dos nichos que o banco de investimentos carioca Icatu elegeu para incrementar seus negócios. Por meio da associação com o grupo Mello, de Portugal, com tradição no setor de saúde, e com o IFC -- o braço de financiamento a empresas privadas do Banco Mundial --, a instituição criou o Icatu Health Service para desenvolver serviços nessa área.

Inicialmente, suas operações estavam voltadas para projetos de redução de custos das operadoras de planos de saúde. Há dois anos, porém, os executivos do Health Service decidiram ampliar sua atuação e montaram uma empresa para cuidar especificamente da administração de hospitais privados, a Gestal. "Percebemos que havia uma enorme carência desse tipo de serviço", afirma Luis de Avillez, presidente do Icatu Health Service. Na sua avaliação, hospitais bem administrados tendem a se transformar em uma excelente fonte de renda. Experiências bem-sucedidas no Rio de Janeiro, como a sofisticada rede DOr e a rede Vita, com sede em São Paulo, com faturamento superior a 25 milhões de dólares ao ano, endossavam a tese.

Por ser pouco explorado, esse mercado vem abrindo muitas oportunidades de negócios em todo o mundo, chamando a atenção de investidores capitalistas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o gasto anual per capita com serviços de saúde é de 4 090 dólares. A área de saúde representa 14% do PIB anual do país. No Brasil, não chega a 50 dólares.

No caso brasileiro, a baixa renda da população aparece como uma espécie de barreira para empreendimentos desse tipo. Tanto que a maioria das novas redes de hospitais escolheu como alvo os públicos classes A e B. Na visão do Icatu, contudo, é na população de renda mais baixa, em que há maior carência desses serviços, que as oportunidades de expansão são mais evidentes. Foi por essa razão que definiu como foco de seus negócios a administração de hospitais voltados para a classe C, cujo público tem renda mensal em torno de 900 reais, o que incluiria um total de 44,5 milhões de pessoas.

A Casa de Portugal é o melhor exemplo de como o Icatu pode ter acertado o alvo. Quando os executivos da Gestal -- comandada pelo médico carioca Alfredo Cardoso, de 39 anos -- tomaram posse da administração do hospital, o estado das contas era deprimente. A dívida estava em torno de 1,2 milhão de reais e o faturamento mensal na casa de 500 000 reais. Os créditos com os fornecedores de medicamentos e materiais estavam cortados, o que exigia que todas as compras fossem feitas à vista. A maior parte dos equipamentos havia sido desativada por falta de manutenção, e a maioria das equipes médicas abandonara o hospital. Com a recusa dos doentes em usar os serviços, os planos de saúde cancelaram os contratos.

Ao assumir a administração do hospital, a Gestal atacou em duas frentes simultaneamente. A primeira foi resgatar a credibilidade da Casa de Portugal por meio da contratação de equipes médicas com reputação no mercado. Para diretor da casa foi convocado o clínico geral Carlos Alberto Chiesa, de 39 anos, especializado na área de gestão hospitalar. Coube a ele montar as novas equipes, melhorar o atendimento aos clientes e identificar as carências físicas do hospital. "Priorizamos os recursos humanos", diz Chiesa. "Foi o primeiro passo para resgatar a credibilidade da Casa de Portugal." O apelo usado para atrair bons profissionais era simples: a garantia de pagamento dos serviços, o que não vinha acontecendo em função dos problemas financeiros que o hospital enfrentava.

Na outra ponta, os executivos da Gestal iniciaram um programa de reestruturação do caixa. Os processos de faturamento das contas foram melhorados, com detalhamento de todas as despesas por cliente. Dessa forma, a glosa das faturas pelas operadoras -- por discordância dos valores cobrados -- praticamente desapareceu. Criou-se também uma auditoria médica para acompanhar os gastos do hospital. Todos os contratos com fornecedores e planos de saúde foram revistos de forma a conseguir melhores preços e condições de pagamento. Ao mesmo tempo, foi criado um programa de recuperação de créditos com os clientes da instituição. Outro ponto fundamental foi a renegociação da dívida do hospital, o que tirou um peso grande do seu caixa.

Com os débitos equacionados, os financiamentos voltaram e as compras passaram a ser parceladas. "O fato de haver um banco por trás da administração facilitou a negociação", diz Cardoso, da Gestal. No período de um ano, o faturamento mensal do hospital triplicou, passando para 1,5 milhão de reais. A taxa de ocupação de leitos subiu para 80%, e a do CTI para 87%. Com o aumento do faturamento foi possível também a recuperação dos equipamentos do hospital e a abertura dos serviços de pronto-socorro. As seis salas de cirurgia voltaram a funcionar. A Casa de Portugal passa agora por uma reforma dos apartamentos. "Toda a recuperação do hospital está sendo feita com a geração de caixa", diz Cardoso.

Essa reestruturação atraiu novos clientes para a Gestal. A partir do segundo semestre deste ano, a empresa assumiu a administração de mais três hospitais no Rio de Janeiro -- a Clínica São Bernardo, na zona oeste, e o Hospital Badim e o Pró-Saúde, na zona norte -- e está em negociações com mais outros dois (fora a Casa de Saúde São Sebastião, que está sob sua administração desde 2000). A remuneração da empresa é feita cobrando-se uma taxa de administração que varia de 15% a 20% do Ebtida -- o ganho dos hospitais antes do desconto de impostos, da depreciação, dos juros e das amortizações.

Todos os hospitais administrados pela Gestal têm em comum o foco no atendimento a pacientes de baixa renda e a localização em áreas menos nobres do Rio de Janeiro. Nessas regiões, há bairros com grande densidade populacional e carentes de bons serviços de saúde a preços acessíveis. A estratégia da Gestal é incluir parte dessa população no sistema. A lógica é que, com custos mais baixos, os gastos das operadoras de planos de saúde se reduzem, o que permite que mais pessoas tenham acesso aos planos de saúde. Isso pode resultar em maior acesso aos hospitais do grupo. Hoje, de acordo com as estimativas de Cardoso, os custos dos hospitais da Gestal estão 30% abaixo dos de outras redes. Essas reduções foram conseguidas com a eliminação de procedimentos médicos de alta complexidade, como neurocirurgias e operações cardíacas, e com a simplificação das acomodações. "É um projeto inovador que ajuda a reduzir os custos dos planos de saúde", diz Renato Manso, superintendente da Amil no Rio de Janeiro. "Isso certamente vai contribuir para aumentar o acesso de novos usuários ao sistema."

A redução de custos dos hospitais geridos pela Gestal, segundo seu diretor, deve se acentuar com o aumento do número de unidades da rede e o ganho de escala. "Estamos unificando alguns procedimentos como informatização, contabilidade e compras", diz Cardoso.

Segundo Mendel Reismamm, coordenador do PDG de Saúde do Ibmec Business School, do Rio de Janeiro, a queda nos custos hospitalares e de atendimento ambulatorial é a única saída p ara ampliar a participação da população no sistema privado de saúde. "A economia mudou muito nos últimos anos, e os serviços de saúde foram um dos poucos que não se ajustaram", diz Reismamm. "Só agora estão percebendo a necessidade de se tornar mais competitivos." A melhoria do desempenho, na avaliação de Reismamm, é o que vai garantir a sobrevivência do sistema de saúde privada. O número de participantes dos planos de saúde caiu de 40 milhões para 35 milhões nos últimos dois anos, quando a previsão do mercado era de que chegasse a 60 milhões de usuários em 2002.

Uma das grandes apostas da Gestal é o hospital Pró-Saúde Ibmec de Bangu, na zona norte do Rio, desde o mês passado sob sua administração. A previsão é de que, com as melhorias no atendimento e nas contas, o faturamento mensal da instituição, hoje na casa de 450 000 reais, passe para 800 000 reais em seis meses. "Essa é uma região com quase 1 milhão de pessoas e cercada de empresas", diz Cardoso. "Trata-se de um mercado espetacular a ser explorado não só por nós, mas por todos os planos de saúde."


Fonte: Revista EXAME Edição(779)


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